terça-feira, 25 de agosto de 2009

Como a sua mente lida com o dinheiro

Matéria da revista isso é - Medicina e Bem Estar - Cilene Pereira e Mônica Tarantino

"Um dia você entra numa joalheria e pega um par de brincos que gostaria de ganhar no Dia dos Namorados. Ou então prova aquele tênis recém-lançado, apesar de o seu ter sido comprado no mês passado. Quem sabe você é daqueles que adoram desfilar pela livraria com um best-seller de 500 páginas, mesmo ciente de que sua agenda está lotada e não existe nenhum feriadão pela frente. Se já viveu alguma das situações acima, saiba que foi vítima da mais banal das armadilhas que a mente prega para esvaziar o bolso. É o chamado truque do "pegou, comprou". Depois de alguns segundos com o produto na mão, cria-se um vínculo tão grande com o artigo que seu cérebro manda às favas a razão e cede à tentação. E lá vai você feliz da vida com a joia que o namorado ia comprar, o tênis de que não precisava ou o livro que não vai ler.
"Ok", você pensa em seguida, "não é um problema tão grande. Quase todo mundo age assim". Como qualquer consumidor honesto submetido às forças naturais do mercado, você está totalmente convencido de que apenas repetiu um comportamento-padrão. Pois então saiba que se pensou assim é porque acabou de cair em mais uma das truques mentais que vão implodindo suavemente um orçamento: a de seguir com a manada. Do ponto de vista da racionalidade econômica, comprar porque pegou o produto e se justificar com base no comportamento coletivo são dois erros que podem custar caro. Mas para o cérebro são também formas de lhe dar algum conforto psicológico, popularmente chamado de "shoppingterapia".
Como a maior crise econômica mundial está provando, as decisões econômicas não são definitivamente racionais. O problema é que, com trilhões de dólares, euros, ienes e reais girando cada vez mais rápido pelo mundo, é preciso entender com urgência os mecanismos que nos fazem decidir - e tentar, de alguma maneira, evitar que mais e mais escolhas erradas sejam feitas. Por isso, enquanto os governos buscam resolver a situação e regular mercados, os cientistas estão empenhados em saber o que nos leva a gastar, vender ou investir. Para chegar mais perto dessa resposta, áreas distintas da ciência estão somando recursos para estruturar um campo de estudo destinado a cumprir essa tarefa - a neuroeconomia. Ela é resultado da união de ferramentas de investigação e conhecimentos da psicologia, da economia e da neurologia, com a ajuda de seus sofisticados aparelhos de diagnóstico por imagem.
O potencial dessa área é enorme. Em cerca de seis anos de atividade, os pesquisadores descreveram vários mecanismos e desvios característicos da tomada de decisões. "Estamos obtendo explicações para as atitudes do consumidor e descobrindo suas implicações", diz a psicanalista Vera Rita Ferreira, professora de psicologia econômica da PUC de São Paulo e autora de dois livros sobre o tema. Entre as revelações estão as armadilhas do "pegou, comprou" e do chamado efeito manada.
A tendência de apresentar o mesmo comportamento é uma conclusão embasada na antropologia, é verdade, mas que está sendo agora provada por estudos que revelam como o cérebro prefere se poupar a ter de enfrentar situações desafiadoras. Em março, por exemplo, a revista científica Public Library Science publicou um trabalho mostrando que, quando recebemos o conselho de um consultor em finanças, o cérebro desativa áreas associadas à decisão racional. "Ele abandona a responsabilidade quando confia em uma autoridade", explicou Gregory Berns, professor de neuroeconomia e psiquiatria da Universidade de Emory, nos Estados Unidos. O detalhe é que, no estudo, a orientação do especialista não levaria a ganhos maiores. Em São Paulo, o administrador Carlos Ayres alerta suas turmas da pós-graduação em finanças da Fundação Armando Álvares Penteado para equívocos desse gênero. "Optar por vender ou comprar ações de acordo com a mídia, por exemplo, é um erro", diz Ayres, que também dirige a consultoria L&A. "É mais importante olhar os gráficos do movimento do mercado para saber se não existem operações financeiras significativas sendo realizadas que contrariam as tendências mostradas pelas notícias."

A constatação de que quase todas as decisões econômicas são tomadas a partir de um permanente embate entre a razão e as emoções não é necessariamente nova. A pressão exercida pelos sentimentos nos instantes que antecedem a opção de comprar o carro novo ou investir, vender o apartamento ou ir viajar vem sendo usada em técnicas de venda e na publicidade desde o século passado. O que agora está vindo à luz são detalhes de como esses mecanismos se processam.

Entende-se melhor, por exemplo, o papel do medo na hora da decisão. Recentemente, um estudo divulgado na publicação científica Neuron identificou as estruturas cerebrais acionadas diante da possibilidade de comprar algo. Um grupo de 26 indivíduos recebeu US$ 20 para comprar o que quisesse. Os produtos e os preços eram exibidos em uma tela de computador, enquanto o cérebro dos participantes era monitorado por meio de exames de imagem. Quando apareciam os produtos, os cientistas assistiam à ativação de uma área associada à antecipação do prazer, o núcleo acumbens, e de uma outra região que cumpre a missão de fazer um balanço das perdas e ganhos. Ao mesmo tempo, o cérebro entendeu que a compra podia resultar em prazer e passou a calcular o custo-benefício do ato.
Mas, ao surgirem os preços elevados, o que se viu foi que alguns indivíduos colocaram em funcionamento uma região cerebral (chamada de insula) vinculada ao medo e à dor. Aqueles que acionaram a insula e desativaram a região que calcula os benefícios e perdas decidiram não comprar. "Algumas pessoas experimentam cronicamente uma sensação de dor de pagar - e consequente atividade na insula - mais forte do que outras", explicou à ISTOÉ Rick Scott, um dos autores do trabalho. A pesquisa americana ajuda a entender o que se passa na mente de quem se afunda no cartão de crédito. "Para muita gente, usar o cartão disfarça a dor que seria sentida com o dinheiro. Isso facilita a compra."

Não é apenas pela atividade da insula que se faz um sovina, mas esse medo nos protege de gastar mais do que temos. Em excesso, ele também nos paralisa quando deveríamos agir. "Algumas pessoas têm aversão a perdas", disse à ISTOÉ o psiquiatra Martin Paulus, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, um especialista da neuroeconomia. "Esse pavor pode retardar a decisão de abrir mão de ações ou de outros bens quando isso deveria ser feito." Ou seja, aquela mesma sensação de posse que nos faz comprar um produto supérfluo apenas porque o temos em mãos também nos faz reter bens que deveriam ser passados adiante. É por isso que em momentos de queda da bolsa de valores, como na atual crise, muitas pessoas deixam passar o melhor momento de venda das ações.
E o que dizer das vezes em que ficamos indecisos diante de dois produtos? Pois saiba que se provou agora a força da terceira opção. Quando o vendedor oferece uma alternativa mais simples e barata que as duas anteriores, tendemos a comprar um dos produtos que nos deixaram em dúvida. E quase sempre, descobriram os pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, ficamos justamente com a opção mais atraente e cara. Ao observar o que ocorria no cérebro de compradores diante de duas alternativas, os cientistas descobriram que eles estavam, na verdade, irritados por causa da dificuldade de decidir. "Houve uma atividade maior na amígdala, área do cérebro associada a reações negativas", explicou à ISTOÉ Akshay Rao, coordenador do trabalho. Quando surgiu a terceira opção, pior do que as anteriores, as outras pareceram ótimas. "O processo de decidir ficou agradável e o cérebro usou seus caminhos naturais para escolher", disse Rao. "Conhecer esse mecanismo pode ser um recurso ao alcance do consumidor que sente dificuldade de decidir. Ele mesmo pode pedir para ver um terceiro item", orienta o pesquisador. Para escapar da solução de levar o produto mais caro basta ter a consciência desta armadilha cerebral - e procurar ser racional.

Com base em revelações como essas existe hoje uma batalha silenciosa pela mente dos consumidores. De um lado, desenvolveu-se o chamado neuromarketing, que usa as ideias sobre a tomada de decisões para atiçar as vendas. "Ajudamos a descobrir meios de melhorar a comunicação e as reações do consumidor", disse à ISTOÉ o especialista David Lewis, criador de uma empresa do gênero, que já teve como clientes a Ford e a 20th Century Fox. Do outro lado, proliferam cursos para investidores, como o ministrado há dois meses em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, pelo neurocientista Nelson Sprintzer. "Eu os ensino a evitar as armadilhas do pensamento e a tomar decisões no tempo certo", esclarece.
Entender esses processos é de fato importante para se proteger de desvios que podem conduzir a desastres financeiros. "Identificar as armadilhas da nossa mente é o primeiro passo para controlar variáveis que levam a decisões nem sempre vantajosas", explica o neurologista Armando Rocha, do Núcleo de Apoio Interdisciplinar de Pesquisa em Política e Estratégia da Universidade de São Paulo. Contudo, tão importante quanto resolver se é hora de gastar ou poupar, vender ou comprar, é estar ciente de que a sua decisão deve lhe render conforto emocional verdadeiro. Dessa maneira, tanto faz como você vai pagar seu pacote de férias. Do ponto de vista meramente financeiro, o correto é guardar o dinheiro, aplicá-lo e adiar ao máximo as despesas da viagem. Mas se você perde o sono com a sensação de que ainda há muito a pagar pelas férias que já estão acabando, então não há mal em contrariar os especialistas e pagar o passeio antes de entrar no avião e usar o hotel. Se o que está em jogo é a sua paz de espírito, lembre-se de que o dinheiro também compra algum conforto emocional. Apenas fique alerta para conduzir o processo, em vez de ser arrastado por ele."

Para ler mais: http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2057/artigo131240-3.htm

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